Existe muita confusão no uso destes
dois termos: delírio x delirium. O primeiro é um sintoma observado
principalmente nas esquizofrenias e o segundo é uma categoria diagnóstica da
Classificação Internacional de Doenças, a CID-10 (OMS, 1993) e do DSM-IV (Manual
Diagnóstico e Estatístico da Associação Psiquiátrica Americana- APA, 1994). A
palavra delírio etimologicamente significa "sair dos trilhos" (de: fora;
e liros: sulcos). Por definição o conceito de delírio consiste em
alteração do juízo de realidade (capacidade de distingüir o falso do verdadeiro)
e implica em lucidez da consciência. Ou seja, para que se use o termo "delírio"
Jaspers propõe que esta alteração do juízo não seja decorrente de uma
perturbação da inteligência nem que seja secundário a um estado de consciência
momentaneamente alterado. Quando a alteração de juízo é decorrente de um
distúrbio da consciência, chamamos, então, de "delirium".
Para Nobre de Mello, é compreensível
esta confusão, já que, além da semelhança entre os dois termos, também há um
denominador comum que é a "atividade delirante do pensamento". Este autor
explica:
"Pois bem: essa atividade anormal
envolve modificações específicas da execução psíquica, que atingem e comprometem
à intencionalidade do ato noético e dão origem tanto num como noutro caso, a
desordens da apreensão das relações significativas puras, que constituem, em
última instância, a base supra-individual do entendimento
interhumano".
Em outras palavras, indivíduos
acometidos tanto de delirium como de delírio têm alterações do pensamento (ato
noético) no que se refere à compreensão do significado dos fatos. Estas
alterações terminam por comprometer a interação com outras pessoas.
Do ponto de vista fenomenológico os
pacientes com delirium (transtorno mental orgânico) têm alteração da atenção, da
memória e consequentemente da orientação. Não apresentam pensamento
sistematizado, somente fragmentos. Parecem não estar compreendendo o que se
passa a sua volta. Existe piora noturna e em qualquer situação que diminua o
"input" sensorial, já que sua atenção está reduzida. Podem apresentar
alterações da psicomotricidade principalmente agitação noturna, retirando
equipos de soro, sondas vesicais ou tentando pegar pequenos animais onde não há
nada (alucinose visual). Por outro lado, se beneficiam de dados ou pessoas
familiares, de ambientes calmos e iluminados. E suma, em vigência de uma
desorganização das funções psíquicas (insuficiência cerebral aguda), os
indivíduos ficam confusos. Por isso, frequentemente utilizamos outro termo para
designar a síndrome que estes pacientes apresentam que é o "estado confusional".
Em geral existe inversão do ciclo sono/vigília (os pacientes agitam à noite e
ficam sonolentos durante o dia) e pode-se observar seu aparecimento de maneira
abrupta relacionado a doenças físicas e/ou uso de medicamentos. Para maiores
detalhes leia mais adiante as apresentações clínicas e etiologia do
delirium.
Continuando com a fenomenologia, nos
pacientes com delírio (principalmente visto na esquizofrenia), ocorre alteração
do conteúdo do pensamento, mas não da memória e da atenção. Quando há a
alteração da orientação está se dá em decorrência do delírio, sendo mais
frequente a "dupla orientação". Assim o paciente informa corretamente o seu
nome, idade, endereço, sabe a data e local onde está, mas, ao mesmo tempo,
acredita ser "Jesus Cristo" e diz morar em "Jerusalém". Ocorre um distúrbio do
juízo crítico não influenciado na sua lógica e coerência por qualquer outra
experiência psicológica, não se deixando refutar pelo pensamento lógico. Ao
contrário dos pacientes com delirium, os esquizofrênicos relatam uma
transformação do mundo, no qual ocorrem novas significações. Em geral, ocorre
uma fase inicial que chamamos de humor delirante, quando o paciente começa a
perceber esta alteração do mundo. Nobre de Mello cita algumas indagações que
estes pacientes frequentemente fazem nestes períodos: "Há qualquer coisa no
ar"... "Essa luz, essa claridade, positivamente não são comuns. Tudo agora está
mudado". Gradualmente, vão surgindo novos significados. Para Jaspers, nos
esquizofrênicos "não se destrói a crítica. Coloca-se apenas a serviço do
delírio. O doente pensa, examina razões e contra-razões assim como o faria se
fosse sadio". Nobre de Mello descreve o novo mundo que os esquizofrênicos
vivenciam, da seguinte maneira:
"Dir-se-ia que todo o mundo
perspectivo circundante do enfermo passa a encher-se de significações ocultas,
dantes inexistentes, abrangendo coisas, objetos, animais pessoas, um universo,
enfim, de significações novas, que os doentes se esforçam em vão por aclarar.
Tudo em torno adquire sentido. Não há evento, por mais banal e rotineiro, que
não encerre alguma intenção, que o paciente deseje ardentemente decifrar. Tudo
quer dizer alguma coisa. Nada ocorre por acaso".
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