Iogurtes que afastam resfriados e pães que protegem o peito — bem-vindo ao admirável mundo novo da alimentação. E ele já está num supermercado perto de você.
Imagine bater no liquidificador um punhado de chicória com leite e deixar o preparado fermentando por alguns dias. Se há 20 anos essa combinação resultaria em um tipo de gororoba de aparência pouco convidativa, hoje a história é bem diferente. Atualmente, a receita não só agrada ao paladar por causa do sabor e da cremosidade como também oferece benefícios à saúde. Isso porque a hortaliça é fonte de substâncias que agem como fibras e são conhecidas entre os cientistas como inulina e frutooligossacarídeos (FOS). Ok, esses nomes estranhos também não soariam nada apetitosos no menu do seu restaurante predileto, mas, fique sabendo, eles merecem todo o respeito. Aliás, na próxima visita ao supermercado, observe os rótulos dos laticínios que preenchem as gôndolas. Esses termos esquisitos agora podem ser vistos estampados nas embalagens de iogurtes e afins — entendeu a mistura de chicória com leite?
Graças aos avanços na ciência dos alimentos, os ingredientes extraídos da verdura têm sido incorporados aos lácteos. E desse inusitado casamento surge o que os especialistas batizaram de simbióticos. Estranhou outra vez? Então, vamos aos fatos. “O iogurte é rico em bactérias probióticas, aquelas que zelam pela nossa saúde intestinal”, define o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, a Abran, que arremata: “Já a inulina e os FOS têm ação prebiótica, ou seja, servem de comida a esses microorganismos benéficos”. Assim, quando nosso organismo recebe a simbiose vinda direto do pote — ou seja, as pré e as probióticas unidas —, ocorre uma verdadeira festa no intestino. O exército de bichinhos benfeitores que já mora lá recebe reforços e fica bem nutrido, o que incrementa o sistema imunológico. E acaba de sair do forno mais um estudo que comprova essa ação positiva.
Pesquisadores da Università degli Studi, em Milão, Itália, observaram que, entre os indivíduos que consomem os simbióticos, há menor risco para encrencas oportunistas, como os resfriados. Para o trabalho, foram recrutados mais de 600 voluntários, que se alimentaram com esses produtos durante o inverno europeu, ao longo de quatro anos. Portanto, como você pode conferir, os iogurtes turbinados com fibras são capazes de afastar doenças e, justamente por essa razão, entram para o aclamado time dos alimentos funcionais, que nas últimas décadas evoluiu a largos passos. Outro ingrediente funcional que passou a ser enaltecido nesses 25 anos foi o ômega-3. Mas nem sempre a substância foi bem-vista. Houve um tempo em que suas fontes ficaram de fora das mesas ditas saudáveis. Afinal, lembre, ele nada mais é do que um ácido graxo, ou seja, um pedaço de gordura. No início da década de 1980, quaisquer alimentos gordurosos eram tachados como os grandes vilões por trás da obesidade. Assim, não importava se era manteiga, azeite, picanha ou salmão, todos eram farinha, ou melhor, gordura do mesmo saco. O ômega só começou a ser separado da banha quando os cientistas provaram que cada molécula engordurada age de maneira diversa. E essa distinção não pára de ganhar respaldo. A gordura saturada, vinda das carnes, continua associada a males cardiovasculares. Já o óleo de oliva, cheio do tipo monoinsaturado, se tornou sinônimo de longevidade. E os peixes de água fria, campeões em ômega-3, viraram símbolo da boa alimentação. Pipocam trabalhos a todo instante para comprovar seus predicados. Um exemplo é uma pesquisa recém-publicada na revista científica Atherosclerosis, da Sociedade Européia de Aterosclerose. Ela mostra que o mais célebre dos ácidos graxos ajuda a combater inflamações e abaixar as taxas de colesterol, o que reduz o risco de infarto. “Vários estudos apontam ainda sua atuação no cérebro”, comenta a professora Gláucia Pastore, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, no interior paulista. Não à toa, de uns tempos para cá, assistimos a uma verdadeira corrida da indústria para incluir o bendito ômega- 3 em tudo quanto é produto. Em certas ocasiões, o resultado não foi lá essas coisas, caso dos leites longa-vida que invadiram as gôndolas na década passada suplementados com o ácido graxo. Mas, se na bebida em caixinha não deu muito certo, nas fórmulas lácteas infantis em pó é possível encontrar EPA e DHA, siglas para moléculas pra lá de especiais extraídas do óleo de peixe e que representam o que há de mais nobre em matéria de ômega-3.
Além dos laticínios, até mesmo os pães estão, por assim dizer, mais “engordurados”. O ômega que os incrementa é proveniente da linhaça. De quebra, a semente do linho fornece lignana, um componente que tem sido investigado na prevenção de tumores, principalmente os de mama. O melhor é que, quando a linhaça vai para o forno, sua riqueza tende a ser mais bem aproveitada — os especialistas recomendam seu aquecimento ou sua trituração antes do consumo para que alguns de seus compostos sejam liberados. Ah, aqui vai uma dica que pode até parecer meio batida, mas não deixa de ser válida: o melhor é optar por produtos de panificação feitos com farinha integral, que, por serem ricos em fibras, favorecem a eliminação do mau colesterol. Além de modificar a receita de produtos tradicionais e presentear o consumidor com opções industrializadas muito mais nutritivas, nesse quarto de século a ciência também andou interferindo em itens vindos diretamente da natureza, caso dos vegetais. “Existe um enorme projeto de valorização desses alimentos”, conta Damares Monte, especialista em genética molecular da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. E os trabalhos vão desde o desenvolvimento de técnicas que preservam nutrientes até a análise de certos ingredientes e seu impacto na saúde. “Estamos investigando o potencial dos carotenóides”, exemplifica Damares. Em outras palavras, o licopeno e o betacaroteno estão sendo esmiuçados em laboratórios. Para quem não se recorda da dupla, esses dois pigmentos, além de colorir tomates, abóboras e cenouras, protegem o ser humano contra males de retina e tumores.
Os pesquisadores buscam as espécies mais ricas nesses ingredientes e procuram introduzi-los em vegetais, digamos, mais pobres. Assim, quando eles descobrem um tipo de tomate muito rubro, tingido de vermelho forte, surge a desconfiança de que se trata de um exemplar que guarda teores elevados de licopeno. A partir da suspeita, os cientistas destrincham a composição genética do fruto até se deparar com o gene responsável por sua coloração intensa. Então, esse pedacinho de DNA é transferido para seus primos mais desbotados a fim de que eles entrem no seleto clube dos superalimentos. Com a soja, o que tem acontecido é justamente o contrário. Para que ela fique com o sabor suave, pesquisadores da Embrapa excluíram a enzima responsável por aquele gosto que deixa uma lembrança nem sempre agradável na boca. Ainda nos laboratórios da Embrapa, e por meio da manipulação de genes, os grãos deixaram de ter fitato, um componente que interfere na absorção de minerais. A previsão é de que a soja sem fitato aterrisse em breve nas gôndolas. Por falar na leguminosa, tem gente que a considera uma das maiores representantes da evolução dos funcionais. “Ainda que tentem desvalorizá-la, centenas de estudos sérios atestam que ela auxilia no combate às doenças cardiovasculares”, defende Jocelem Salgado, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais, a Sbaf. A professora Norka Beatriz Barrueto, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu, destaca outra substância da soja: a isoflavona, que aparece em estudos como aliada do esqueleto. “Existem evidências de que ela reduza a perda de massa óssea na pós-menopausa”, ressalta. Daí não se estranhar o aumento da oferta de produtos feitos de seus grãos. Há desde o velho “leite” até hambúrgueres e chocolates. Qual a melhor opção? Fica a critério do freguês preocupado com os seus ossos.
Fonte:
http://saude.abril.com.br/edicoes/0304/nutricao/conteudo_398680.shtml